Os valores e o simbolismo associado às montanhas não se esgota no conjunto de recursos naturais e paisagísticos que estas encerram. A elas estão inseparavelmente ligados homens e mulheres que, pelo seu esforço e dedicação, permitiram manter estes espaços como os últimos redutos selvagens num mundo ainda pouco sensível a esta problemática.
O asturiano Pedro Pidal foi um desses visionários, cujo esforço e dedicação levaram, em 1918, à criação do Parque Nacional da Montanha de Covadonga, o primeiro espaço natural peninsular e dos primeiros da Europa com esta categoria. Setenta e sete anos depois iria ser incluído no actual Parque Nacional dos Picos da Europa, um dos lugares mais singulares da geografia Ibérica.
Para além de político, Pedro Pidal era um montanheiro bem treinado. A 5 de Agosto de 1904, acompanhado pelo pastor Gregorio Perez "El Cainejo", logrou atingir pela 1ª vez o vértice do mítico Naranjo de Bulnes, transformando-os nos pioneiros da escalada em Espanha.
O seu último desejo foi cumprido em 1949, ano da sua morte. O seu corpo foi sepultado sob os rochedos de Ordiales, em plena Montanha de Covadonga, ligando-o para sempre a este local magnífico pelo qual lutou durante a sua vida.
Prestemos-lhe, então, a devida homenagem...
O início da caminhada tem lugar junto às margens do Lago Enol que, juntamente com o Lago Ercina, formam os conhecidos Lagos de Covadonga, autênticos cartões de visita do Parque Nacional dos Picos da Europa.
LAGO ENOL
Contornando a margem direita do referido lago, surge um estradão de terra batida que vai percorrer a ampla Vega de Enol, onde um tapete de erva verdejante serve de pasto a dezenas de cabeças de gado, “salpicado” aqui e ali por conjuntos de cabanas que servem de refúgio aos pastores e animais, quando as agruras do clima obrigam ao recolhimento.
VEGA DE ENOL
À nossa esquerda podemos contemplar a Capela do Bom Pastor, onde, a 25 de Julho, se celebra a Festa do Pastor.
CAPELA DO BOM PASTOR
Após cerca de 2,5 Km quase em plano, atingimos um desvio à esquerda que devemos seguir, alcançando uma zona denominada Pan de Cármen, coincidindo com o término do estradão. A utilização do carro até este ponto está autorizada, o que constitui uma opção bastante atractiva, dado que encurta a distância total da caminhada em cerca de 5 Km.
Antes de iniciarmos a caminhada propriamente dita, a visita ao Mirador del Rey (1075 m) torna-se obrigatória. Para isso basta seguir em frente no desvio referido anteriormente e caminhar cerca de 500 m até atingirmos o afamado mirador. A paisagem que se abre aos nossos pés deixa-nos sem respiração… Um amplo faial maduro denominado Bosque de Pome, rasgado pelas águas revoltas dos rios Pomperi e Pelabarda, “despenha-se” até aos 650 m de altitude, onde atinge a convergência com o canhão do Dobra!
BOSQUE DE POME
Partimos de Pan de Carmen por um estradão largo que desce suavemente pelo meio do bosque, até alcançarmos a ponte sobre o rio Pomperi. Encontramo-nos no denominado Pozo del Aleman onde, rezam as crónicas, o importante investigador alemão dos Picos, Roberto Frasinelli, costumava deliciar-se nas águas límpidas do rio Pomperi.
POZO DEL ALEMAN
A partir daqui o caminho ascende pela margem contrária, surgindo à nossa esquerda uma fonte de águas límpidas, atingindo em poucos minutos a Vega La Piedra, onde está implantado um conjunto de cabanas para apoio ao gado e aos pastores. Este local encontra-se assinalado por um imponente bloco rochoso calcáreo, o qual teremos de contornar.
Aqui podemos apreciar alguns símbolos místicos da arquitectura popular do norte de Espanha, nomeadamente os chamados “espanta brujas”, pequenos blocos de pedra com forma pontiaguda colocados na parte superior das chaminés e destinados a afastar visitas indesejadas…
ESPANTA BRUJAS
Atingimos mais uma vez um novo desvio, devendo seguir pela esquerda por um trilho bastante irregular. À nossa frente abre-se um vale de relevo suave -a Vega de Canraso-, sulcado pelas águas tranquilas de um pequeno regato, cuja cabeceira será o nosso próximo destino.
VEGA DE CANRASO
Junto ao nascimento do regato encontramos mais um agrupamento de construções primitivas denominado La Rondiella.
Após um ligeiro esforço suplementar terminamos a primeira grande subida. Estamos no Collado Gamonal, a partir do qual podemos, em dias limpos, contemplar a enorme muralha de cumes, picos e agulhas que formam o tecto do Maciço Ocidental dos Picos da Europa! Entre outros destacam-se as imponentes Torres de Cebolleda (2445 m), Torre de Santa Maria (2486 m) e a Torre de Enmedio (2467 m).
O impacto deste lugar inóspito é cortado subitamente pelo cheiro a lenha queimada emanado pela chaminé do Refúgio de Vegarredonda, um pouco mais abaixo, que nos convida para uma refeição quente!
REFÚGIO DE VEGARREDONDA
Depois de nos despedirmos dos simpáticos guardas do refúgio e dos amistosos cães-pastor que o guardam, seguimos o nosso caminho.
Deparamo-nos com um novo cruzamento, devendo seguir o trilho que se dirige para ocidente. A outra opção, passando junto ao antigo refúgio, agora desactivado, levar-nos-ia ao coração do maciço, a lugares belíssimos como o Jou Santu, Jou Lluengu, autênticas plataformas para realizar difíceis escaladas aos vários cumes circundantes.
REFÚGIO DESACTIVADO E CUMES DO M. OCIDENTAL
A dura subida que se segue, zigzagueando por entre um caos de blocos calcáreos -Cueñe Cerrada-, obriga a cuidados reforçados.
No fim da mesma, olhando para trás, o refúgio de Vegarredonda aparece-nos como um pequenino ponto milimético no meio das rochas, assinalado pelos latidos dos canídeos que seguiram atentamente a nossa dura ascenção.
VEGARREDONDA
O sector que se segue , bastante mais plano, cruza na diagonal os chamados Campos de Torga. À nossa direita podemos contemplar o escarpado vale do rio Junjumia, que se lança encosta abaixo antes de atingir o curso do Dobra.
Encontramo-no já muito próximos do nosso destino quando alcançamos um amplo prado, onde se encontram as ruínas do refúgio ICONA, propriedade do extinto Instituto para a Conservação da Natureza.
REFÚGIO ICONA
Para o caminheiro mais atento, os grupos de camurças (Rupicapra rupicapra) que vagueiam por estas paragens tornam-se facilmente visíveis, transmitindo a sensação de estramos num ambiente verdadeiramente selvagem.
Uma curta subida separa-nos do tão ansiado destino! Ainda estamos ofuscados com a imponência dos picos que recortam o horizonte, quando, subitamente, o chão se abre sob os nossos pés… Lá bem no fundo, 1000 m abaixo, o Vale de Amieva mostra-se em todo o seu esplendor, fracturado pelas águas selvagens do Dobra e dos seus tributários... Absolutamente indescritível...
VISTAS DO MIRADOR DE ORDIALES - VALE DE AMIEVA
Depois de tantas emoções só nos resta, em silêncio, agradecer ao guardião deste lugar maravilhoso os seus valiosos préstimos, que permitiram à nossa geração desfrutar deste reduto ainda selvagem!
Termino com a transcrição de uma frase de Pedro Pidal, gravada na pedra do seu túmulo e que resume na perfeição o verdadeiro Espírito da Montanha:
" Nosotros, enamorados del Parque Nacional de la Montaña de Covadonga, en él desearíamos vivir, morir y reposar eternamente; pero, esto último, en Ordiales, en el reino encantado de los rebecos y las águilas, allí donde conocimos la felicidad de los Cielos y de la Tierra, allí donde pasamos horas de admiración, emoción, ensueño y transporte inolvidables, allí donde adoramos a Dios en sus obras como Supremo Artífice, allí donde la Naturaleza se nos apareció verdaderamente como un templo"
2 comentários:
Trabalho muito interessante e com belas fotografias!!
Não tenho palavras para descrever a emoçao que senti ao encontrar este blog.
Muito simples com conteudos de eleiçao pelo menos para mim.Desde novo que as minhas ferias e fins de semana sao passados na montanha,em marchas, em contacto com a natureza.
Este artigo foi ouro sobre azul este sera o meu quarto ano nos Picos da Europa com este post adiciono mais um percurso para fazer.
Continua com o bom trabalho.
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