MONTANHAS IBÉRICAS

Neste Blog partilho com os leitores a minha paixão pelas Montanhas Ibéricas, lugares únicos, cada vez mais raros, onde a beleza das paisagens, a preservação dos ecossistemas e a utilização sustentável pelo homem se unem de uma forma harmoniosa e equilibrada.

20 outubro 2006

CAMINHANDO SOB A SOMBRA DO NARANJO

Publicada por Paulo Almeida Santos



Arriscar o nome da montanha mais bela da orografia Ibérica é, certamente, uma tarefa difícil e bastante subjectiva. O Naranjo de Bulnes (ou Picu Urriellu para os Asturianos) figura seguramente no grupo das favoritas, pela sua beleza, imponência e inacessibilidade … Recordo como se fosse hoje a primeira vez que o contemplei, na Primavera de 1999, tal a admiração e o encanto que vivi naquele momento! Regressei pelo menos 3 vezes e não me arrependi…
Do alto dos seus 2519 m, o Naranjo não impressiona pela sua altitude tendo em conta as montanhas que o envolvem, destacando-se, isso sim, a sua forma monolítica, com paredes assustadoramente verticais, alisadas pelos gelos e ventos, guardando no seu interior inúmeras histórias, umas gloriosas, outras trágicas...
Para além do inegável valor estético, o “Picu” assume-se, com orgulho, como o berço da escalada em Espanha. Em Agosto de 1904, a expedição de D. Pedro Pidal logrou com sucesso a primeira ascensão ao cume e, a partir daí, milhares de pessoas por ano tentam atingir o mesmo feito!

A caminhada que hoje partilho convosco faz a abordagem do Naranjo de Bulnes por Norte, para mim a mais espectacular!
Apresenta um desnível acumulado de 800 m, uma extensão aproximada de 15 Km e realiza-se em cerca de 6-7H.


MAPA DA CAMINHADA


O acesso faz-se pela pequena aldeia de Sotres, "encravada" entre o maciço Central e Oriental dos Picos da Europa, junto ao vale do Rio Duje, um dos principais cursos de água do Parque.

VALE DO RIO DUJE


Antes de alcançar a povoação, ao nível de uma curva pronunciada da estrada, devemos sair à nossa direita para um estradão de terra batida, estradão este que se dirige para sul em direcção aos Puertos de Aliva e Espinama. Nos metros iniciais desta via devemos seguir pelo corte que surge à direita, em direcção a um grupo de cabanas – Invernales del Texu- cruzando de seguida o rio Duje para a outra margem.
A obrigatoriedade de deixar o carro nesta zona é uma discussão longa que julgo ainda não ter reunido qualquer consenso.


INVERNALES DEL TEXU


De qualquer forma seguimos em frente, subindo agora pela margem esquerda do rio, da qual se têm boas perspectivas para a pitoresca aldeia de Sotres e das montanhas ao seu redor.


ALDEIA DE SOTRES


Em pouco tempo atingimos o final do estradão, local onde é possível deixar a viatura e onde começa o trilho que vamos seguir.


INÍCIO DO TRILHO (CDO PANDÉBANO EM 1º PLANO)


O primeiro sector do trilho discorre por uma inclinada subida em terreno aberto até se atingir o mítico Collado de Pandébano (1250 m)! Este é, sem dúvida, um local que não deixa ninguém indiferente… Destaco, em particular, a vista para Oeste, onde se impõem os cumes colossais do Neverón de Urriellu (2559 m) e do Cuetos del Albo (2445 m).


COLLADO DE PANDÉBANO. EM 1º PLANO REFÚGIO DE LA TERENOSA. EM 2º PLANO OS CUMES DO NEVERÓN DE URRIELLU E CUETOS DEL ALBO.


Não menos impressionante, agora pela sua profundidade, o vale de Bulnes que se abre aos nossos pés, verdejante, representa a "antítese" do mundo de rocha e gelo que persiste 2000 m acima!

VALE DE BULNES. AO FUNDO O INÍCIO DA GARGANTA DO RIO CARES.


Continuamos, agora, num terreno menos declivoso, em direcção ao Refúgio de la Terenosa, onde existe um grupo de pequenas cabanas nas quais é possível pernoitar e até comprar alguns produtos regionais asturianos como o famoso queijo de Cabrales.
Deste ponto conseguimos vislumbrar o casario da isolada aldeia de Bulnes, condenada à sombra quase perpétua que os cumes circundantes lhe oferecem.

ALDEIA DE BULNES


A partir daqui o trilho sobe gradualmente, entre a ampla encosta norte da Peña Castil (2444 m) e o faial de La Varera, acima da aldeia de Bulnes.
Sem qualquer pré-aviso, o caminho atinge uma pequena barreira rochosa, estrategicamente aberta para permitir a nossa passagem e brindar o caminheiro com mais uma vista inesquecível, diria mesmo soberba!
Estamos no chamado Collado Vallejo (1540 m), local onde o Picu Urriellu, até aqui escondido, se mostra em todo o seu esplendor!
Ficamos particularmente boquiabertos com os 800 m verticais da sua face Oeste, a mais declivosa e desafiante de todas.


COLLADO VALLEJO


Depois de muitas fotos e várias tentativas frustradas para adjectivar tal cenário paradisíaco, deixamos o Collado Valejo para descer ligeiramente a encosta.


A DESCIDA DESDE O COLLADO VALLEJO


À nossa direita vai surgindo com crescente nitidez, os contornos em zig-zag do trilho que sobe de Bulnes, por entre sombrios canais e cascalheiras em contínuo movimento.

CANAIS DE CAMBURERO E BALCOSÍN

JOU LLUENGO


Aproximamo-nos rapidamente do início da subida mais difícil da jornada, que nos vai colocar na base do Picu, serpenteando pelo meio de um caos de blocos calcáreos, sempre com o nosso objectivo bem visível.


NARANJO DE BULNES


Ao longo desta penosa subida, o nosso esforço vai sendo presenteado com observações interessantes de alguns dos mamíferos e aves que povoam este ecossistema de montanha, caracterizado por verdejantes prados alpinos e escarpas verticais!


FERREIRINHA-ALPINA (Prunella collaris)

CAMURÇA (Rupicapra rupicapra)

GRALHA-DE-BICO-AMARELO (Pyrrhocorax graculus)


Atingimos, finalmente, a plataforma tão desejada! Trata-se da famosa Veja de Urriellu, aos 1953 m, local onde está implantado o refúgio Delgado Ubeda, que alberga durante todo o ano milhares de escaladores e montanhistas de todas as partes do mundo. Por este motivo, aconselha-se a quem planeie aqui pernoitar, efectuar a reserva com antecedência.


REFÚGIO DELGADO UBEDA



Olhando para cima, tão para cima que quase nos obriga a deitar no chão, a face Oeste do Naranjo de Bulnes quase nos deixa sem respiração, tal a sua imponência e grandiosidade! Este é, sem dúvida, um momento marcante na vida de qualquer amante da montanha…


NARANJO DE BULNES (FACE OESTE)


Se ainda restarem algumas forças, a continuação do trilho em direcção sul coloca-nos noutro miradouro privilegiado, denominado Garganta del Jou Sin Tierre, aos 2082 m de altitude. Aos seus pés abre-se uma ampla depressão com forma circular de origem glaciar – o Jou Sin Tierre – protegida em todo o seu perímetro por cumes aguçados que superam largamente os 2000 m.

JOU SIN TIERRE. EM PRIMEIRO PLANO LOS CAMPANÁRIOS (2572 m)


O regresso faz-se inevitavelmente pelo mesmo caminho o que, neste caso, não nos deixa minimamente desmotivados, tendo em conta que teremos sempre por perto a companhia do monólito que, finalmente, justifica em pleno o seu nome, assumindo um tom alaranjado quando iluminado pela ténue luz do final do dia…


O MÍTICO NARANJO DE BULNES

6 comentários:

Anónimo disse...

Há lá coisa mais linda no mundo que o Pico Urrielo? Digam-me. Se existe, tenho que ir ver!! Lindo, lindo, lindo. Ques post tão lindo, Obrigada.

Anónimo disse...

Que paisagem estupenda! Através destas belas fotos é que nos apercebemos do significado da expressão "o poder da natureza". O Naranjo é esmagador, como felizmente já tive a oportunidade de o comprovar; mas a magnificência das montanhas e dos vales que estão á sua volta não lhe ficam nada atrás...Obrigado pela partilha!

Anónimo disse...

Não resisti voltar a ver este post. Foi das coisas mais bonitas que vi até hoje.

medronho disse...

Tb já lá estive, mas subi desde Poncebos...até Bulnes de cima,e daí segui pela "pedreira" até ao Refúgio. Na descida fiz o que fizeste, mas virei novamente para Bulnes de Baixo.
Caminhar nos Picos de Europa é qq coisa divinal.
Tb caminhei no "desfiladeiro do Cares", soberba paisagem.
Para quem gosta de ver a natureza no seu esplendor...é nos PICOS!

Anónimo disse...

O Picu Urrielo faz parte do meu imaginário desde tenra idade. Muitas foram as noites, que apartado do sono, a sua imagem rodopiava indiabradamente no meu pensamento fazendo crescer algumas das minhas maios profundas ilusões. Mais tarde, quando pela 1ª vez o pude admirar diante dos meus olhos e tocando a sua abrasiva rocha vi emocionadamente cumprido um sonho que à muito me perseguia.

Actualmente, já tive a possibilidade de percurrer os sinuosos trilhos dos Picos da Europa em várias ocasiões, voltando sempre aos pés do magnifico Naranjo de Bulnes. No dia em que tive a casualidade de escalar a sua imponente face Oeste e chegar ao seu mais alto do seu cume...foi um dos melhores momentos que recordo na minha vida. Nesse momento, senti-me a pessoa mais feliz do mundo!

Miguel Grillo

Nuno disse...

Só posso dizer uma coisa: PARABÉNS por mostrar tão magníficas imagens!