MONTANHAS IBÉRICAS

Neste Blog partilho com os leitores a minha paixão pelas Montanhas Ibéricas, lugares únicos, cada vez mais raros, onde a beleza das paisagens, a preservação dos ecossistemas e a utilização sustentável pelo homem se unem de uma forma harmoniosa e equilibrada.

24 dezembro 2005

ATÉ QUANDO PODEMOS MANTER A ESPERANÇA?

Publicada por Paulo Almeida Santos

Por mais improvável que vos pareça, a paisagem acima retratada representa um bosque caducifólio do Norte de Portugal, uma autêntica preciosidade num país permanentemente acossado por atentados contra o Património Natural...
Finda mais um ano e o cenário mantém-se...
Os bosques autóctones são pequenos oásis no meio do caos, fragmentados por redes viárias que isolam as escassas populações de animais silvestres e as deixam no limiar da extinção.
A política de reflorestação simplesmente não existe ou, quando muito, promove a plantação de monoculturas de eucaliptos e pinheiros que, ano após ano, funcionam como barris de pólvora e deixam o país pintado de preto, à mercê das forças erosivas, transformando as nossas montanhas em autênticas superfícies lunares, inertes, dominadas pelo granito e pelos matos rasteiros. É desolador...
Os parques eólicos nascem como cogumelos nos cimos das nossas serras, sem qualquer tipo de restrições, descaracterizando a paisagem e promovendo a prática de crimes ambientais pelos múltiplos acessos que criam. Marão, Alvão, Nogueira, Montesinho, Arga, Montemuro, Caramulo são alguns destes tristes exemplos...
O desordenamento territorial, principalmente no norte de país é, no mínimo, chocante! Vista do céu, a paisagem aparece polvilhada por casas, fábricas,estradas, estradões, linhas de alta tensão, pedreiras, etc, etc, etc... Não há 1 m2 sem a marca do homem. Qualquer um pode construir o que quer que seja, onde quer que seja. O conceito de "aglomerado populacional" simplesmente não existe.
E o que dizer sobre as nossas Áreas Naturais? Teoricamente locais privilegiados, altamente protegidos, símbolos da conservação dos ecossistemas... Mais uma vez constatamos que as boas intenções não passam do papel... Os problemas são profundos e começam no topo da hierarquia. O moribundo Instituto da Conservação da Natureza (ICN), há muito em pré-falência, debate-se, ano após ano, com sucessivos cortes orçamentais, que mal chegam para pagar os vencimentos dos seus funcionários. Os directores das Áreas Protegidas continuam a ser nomeados por decisão governamental, com base em critérios no mínimo duvidosos, ignorando muitas vezes a incompetência e a falta de sensibilidade ambiental dos mesmos. Na sequência disto, a maior parte das Áreas Protegidas encontra-se em "auto-gestão". Assistimos, passivamente, ao desaparecimento de várias espécies ameaçadas devido à inexistência de políticas de conservação eficazes, a vigilância destas áreas simplesmente não existe, deixando-as à mercê do furtivismo e de outros atentados ambientais semelhantes, não são criados incentivos à fixação de uma população rural cada vez mais envelhecida...
O cenário é, de facto, bastante negro... Rapidamente estamos a entrar num ciclo vicioso, que se auto-potencia. As novas gerações seriam teoricamente a nossa esperança mas, crescendo desde o início num país profundamente devastado e descaracterizado, dificilmente serão permeáveis aos nobres princípios da preservação do ambiente.
Até quando podemos manter a esperança?

Desejo a todos os fieis leitores deste blog um Santo Natal!

19 dezembro 2005

ESTRATÉGIA PARA A CONSERVAÇÃO DO UROGALLO CANTÁBRICO

Publicada por Paulo Almeida Santos


Depois de dar a conhecer no último post a situação preocupante em que vivem os últimos exemplares de galo-montês (Tetrao urogallus) da Península Ibérica, sinais de esperança começam a surgir na comunidade científica através de um conjunto de medidas destinadas a impedir a extinção desta espécie tão nobre.
Para o efeito, foi criado o chamado "Grupo de Trabajo del Urogallo", formado por um grupo de peritos ligados à conservação e meio ambiente que, em Julho de 2004, elaborou um documento onde são descritas as várias ameaças à sobrevivência do grande Galo Selvagem, a sua distribuição em termos geográficos e, por último, um conjunto de medidas concretas para impedir o extermínio do mesmo.
A subespécie visada é a cantábrica -Tetrao urogallus cantabricus-, sem dúvida a mais ameaçada, e envolve a cooperação de todas as Comunidades Autónomas onde esta ocorre - Astúrias, Galiza, Castela e Leão e Cantábria.
A versão completa deste importante documento pode ser consultada aqui.
Apesar do cenário sombrio, mantenho a secreta esperança de poder continuar a assistir no futuro a imagens de singular beleza como as seguintes (1, 2, 3, 4, 5).

17 dezembro 2005

O FIM ANUNCIADO DO SENHOR DOS BOSQUES

Publicada por Paulo Almeida Santos

(cântico nupcial do macho)

Mergulhando nos locais mais recônditos dos bosques mistos cantábrico e pirenaico, encontramos o grande Galo Selvagem, símbolo ímpar de sobrevivência e adaptabilidade às alterações dos ecossistemas levadas a cabo pelo Homem ao longo dos tempos.
Membro da família dos tetraonídeos, o galo-montês (Tetrao urogallus) distingue-se dos restantes elementos pelo porte, pelo notável dimorfismo sexual e um conjunto de características peculiares do seu ciclo biológico.
Originário da zona boreal, foi graças às alterações climáticas geradas pela última glaciação de Würm que o galo-montês expandiu a sua área de distribuição até à Europa meridional.
Foi a partir desta "população-mãe" que se desenvolveram as duas subespécies ibéricas, que na actualidade travam uma luta incessante pela sobrevivência - Tetrao urogallus aquitanicus (Cordilheira Pirenaica) e Tetrao urogallus cantabricus (Cordilheira Cantábrica).
Apesar dos poucos testemunhos existentes, a população de galo-montês portuguesa, derivada da população cantábrica, terá existido entre nós até aos finais do séc. XVIII, protegida pela sombra dos últimos carvalhais da Serra do Gerês.
Actualmente, em Espanha, a espécie está classificada como "em perigo de extinção" no Catálogo Nacional de Espécies Ameaçadas desde Julho/2005.
Assiste-se nos últimos anos a um claro declínio dos números populacionais desta importante ave, principalmente nos bosques Cantábricos, onde o último censo dos "cantaderos" - áreas onde se desenrolam as lutas pré-nupciais - realizado em 2001, aponta para a existência de pouco mais de 100 machos nas Astúrias... Segundo estimativa da SEO (Sociedade Espanhola de Ornitologia), a população total da Cordilheira não deverá ultrapassar os 500-600 indivíduos.
Analisando cuidadosamente as razões do desaparecimento do galo-montês, chegamos à conclusão, mais uma vez, que o factor humano tem um papel primordial. Não obstante, não podemos desvalorizar o papel que pode estar a ter o aquecimento global das últimas décadas (em parte, seguramente, por acção do homem), afectando uma espécie de âmbito boreal com uma distribuição marginal.
Passo, em seguida, à enumeração das causas possiveis para o declínio da população ibérica da espécie.

FRAGMENTAÇÃO DOS BOSQUES
  • isolamento e posterior abandono dos "cantaderos"
  • aumento da acessibilidade aos caçadores furtivos
  • aumento da densidade de herbívoros (veados, javalis, vacas) o que leva a um aumento da pressão sobre a vegetação (principalmente azevinho e uva-do-monte, que são importante fonte de alimento e refúgio para a espécie)
PERDA DE DIVERSIDADE VEGETAL
  • o galo-montês ocupa diferentes nichos do habitat consoante a época do ano, requerendo bosques maduros, com árvores de grande porte e de diversas espécies, com abundantes clareiras e matas ricas em arbustos produtores de bagas (principalmente uva-do-monte)
BAIXO ÍNDICE REPRODUTOR
  • pelos déficits alimentares devidos à má qualidade do habitat e diminuição da população de insectos
  • pela inexistência de comida no inverno, o que também leva a um maior gasto de energia à procura de alimento
ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS
  • aumento do frio e nevadas tardios, afectando a incubação e criação
  • aumento da pluviosidade no mês de Junho
AUMENTO DA PREDAÇÃO PELO JAVALI E RAPOSA
  • o facto da postura ser realizada no solo torna quer os ovos, quer as jovens crias, muito vulneráveis à acção dos predadores
As piores estimativas vaticinam um desaparecimento precoce do galo-montês das nossas serras, que ocorrerá, se nada se fizer, em pouco mais de uma década.
Está nas nossas mãos impedir a "morte anunciada" do grande Senhor dos Bosques...

10 dezembro 2005

FUENTES DEL NARCEA 1 MÊS DEPOIS...

Publicada por Paulo Almeida Santos

Finalmente chegou a neve!!!
A magia das montanhas cantábricas é, de facto, arrebatadora...
Em apenas 1 mês, a explosão de cores do bosque caducifólio é vencida pela descida vertiginosa das temperaturas, pela força dos ventos ciclónicos e pelo peso da neve sobre as ramagens.
Os "ganaderos" recolhem o gado nos estábulos, as pitorescas aldeias são envolvidas pelo fumo das lareiras, as "madreñas" são colocadas à porta das casas...
Os animais selvagens embalam num sono letárgico até serem despertados pelos amenos raios de sol primaveris...
Convido, em seguida, os fieis leitores deste blog, a acompanhar-me numa viagem fotográfica através das paisagens contrastadas do Parque Natural de las Fuentes de Narcea, Degaña e Ibias! Espero que gostem!
VALE DE DEGAÑA















VALE DE GENESTOSO







08 dezembro 2005

PELOS TRILHOS DA RECONQUISTA

Publicada por Paulo Almeida Santos


A Calzada Romana, mais vulgarmente conhecida por Camín Real de la Mesa, é uma via de comunicação pedonal construida nos tempos do imperador romano Augusto e que, durante séculos e séculos, até aos dias de hoje, foi sendo sucessivamente usada por colunas militares, comerciantes, viajantes, pastores e, mais recentemente, por caminheiros.
Trata-se de uma via destinada a fazer a ligação entre a meseta castelhana (mais concretamente o vale de Babia) e o centro das Astúrias, cujo traçado, discorrendo em sentido sul-norte, apresenta desníveis suaves, evitando a descida aos profundos vales que o delimitam e permitindo, assim, amplas panorâmicas, o que em termos militares viria a revelar-se estratégico.
Na verdade, o Caminho Real iria ficar para sempre conotado com este cariz militar, desde as companhas romanas que levaram à romanização da Península Ibérica, passando pelas invasões dos vândalos, suevos e visigodos no séc. V, até à chegada da investida muçulmana ao norte e posterior Reconquista.
Graças a tudo isto, ao longo dos tempos foi deixado aqui um vasto conjunto de vestígios étnicos, históricos, culturais e humanos, muitos dos quais permanecem intocáveis até aos dias de hoje.
Outro valor não menos importante deste lugar é o riquíssimo património natural que envolve a Calçada Romana, coexistindo aqui todos os elementos vegetais e faunísticos que caracterizam os ecossistemas montanhosos do norte da Península.
No topo da cadeia trófica destaco o lobo-ibérico (Canis lupus signatus) que, à semelhança dos estrategas militares do passado, usa frequentemente este caminho para percorrer grandes distâncias e controlar, com astúcia, os profundos vales que o delimitam, onde pastam "tranquilamente" grupos de ungulados silvestres, potenciais presas deste super-predador.

Dejecto de lobo-ibérico

A caminhada que vos proponho hoje discorre pelo sector mais bem preservado do Caminho Real (entre as aldeias de Torrestio e Bustariega), sendo delimitado, a ocidente, pelo vale de Saliencia , em pleno Parque Natural de Somiedo e, a oriente, pelo vale de Teverga, integrado no recém-criado Parque Natural das Ubiñas-La Mesa.
Como de costume realizei uma caminhada circular, fazendo o regresso por um trilho que discorre a meia encosta no vale de Saliencia, por entre conjuntos de típicas brañas somedanas.
O início da jornada tem lugar na isolada aldeia de Saliencia, situada no fundo do vale homónimo, na orla de um dos mais extensos faiais asturianos e rodeada por cumes escarpados que superam os 2000m de altitude.

Vale de Saliencia

Saindo da aldeia pelo estradão de terra batida que conduz ao Alto da Farrapona, encontramos à nossa esquerda o início de um trilho marcado que conduz à Braña de la Mesa. Este sobe na diagonal pelo meio de um denso carvalhal, denominado El Pontón, classificado como Área de Uso Restringido, pelo que não é permitido abandonar o trilho em qualquer circunstância.

Bosque El Pontón

Chegados à orla do bosque, deparamo-nos com um espectacular desfiladeiro - a Foz de los Arroxos - cujas águas de despenham em cascatas sucessivas, delimitadas por abruptas paredes calcárias, até se juntarem, mais abaixo, ao rio Saliencia.

Foz de los Arroxos

Trata-se de uma zona muito rica em termos faunísticos destacando-se, naturalmente, as aves rupículas, como é o caso da águia-real (Aquila Chrysaetos), do grifo (Gyps fulvus), da gralha-de-bico-vermelho (Pyrrhocorax pyrrhocorax) e, na primavera e verão, do abutre-do-egipto (Neophron percnopterus).


Casal de águia-real sobrevoa o desfiladeiro

A transposição desta muralha natural faz-se através de um espectacular trilho que recorta a escarpa calcárea, o que nos faz sentir como que suspensos sobre o rio que corre 100 m abaixo!
Uma vez ultrapassado o desfiladeiro, olhando para trás, somos brindados com mais uma vista soberba, na qual os cumes do Cordal del Tarambicu, do outro lado do vale de Saliencia, aparecem enquadrados pelos contrafortes da Foz de los Arroxos.

Cordal del Tarambicu

A partir daqui a subida torna-se mais suave, discorrendo por entre um denso giestal, sempre junto ao rio, até atingirmos a Braña de la Mesa (1680 m), ponto importante deste percurso já que é aqui que temos o primeiro contacto com o Caminho Real. Aqui encontramos um conjunto de cabanas tipo corros, lamentavelmente deixadas ao abandono, em péssimo estado de conservação.

Braña de la Mesa
Em segundo plano, o Puerto de la Mesa

Entramos finalmente no Caminho Real!
Caminhando sem grande esforço, quase sempre á mesma altitude, podemos disfrutar tranquilamente da paisagem que nos envolve!
Chegamos em 10 min ao Collado del Muru (1642 m), local onde o trilho cruza para o vizinho concelho de Teverga. A partir daqui, no nosso horizonte perfilam-se os cumes da Peña Sobia, cujas verticais paredes são diariamente desafiadas (e violadas) por escaladores.

Vale de Teverga desde o Collado del Muru
Atrás, maciço da Peña Sobia

Ao longo do Caminho podemos observar com regularidade alguns marcos seculares.

Marco

Em pouco mais de 15 min atingimos um imenso prado verdejante -La Madalena- local onde voltamos a cruzar para o concelho de Somiedo. Aqui podemos contemplar o bosque de Saliencia em todo seu esplendor!

Vale de Saliencia desde La Madalena

Continuando a caminhada enfrentamos, agora, uma ligeira subida que cruza a vertente sul do cume La Granda Blanca (1773 m). Chegamos a uma zona mais elevada.
Em dias límpidos e com a ajuda de uns binóculos, olhando em direcção nordeste, distingue-se no horizonte o recorte escarpado dos Picos da Europa.

Picos da Europa
Destaca-se, ao centro, a Peña Santa de Castilla

Rodando o nosso campo visual em direcção sudeste, identificamos uma discreta elevação -Las Piedras (1927 m)- que constitui um privilegiado miradouro da vertente leonesa do maciço da Peña Ubiña.

A Peña Ubiña esconde-se por detrás do pico Las Piedras

Para completar o "quadro", falta-nos apenas contemplar tranquilamente a cabeceira do vale de Saliencia... respirar fundo... sentir a brisa fresca que sobe do fundo do vale...
É nestas alturas que nos sentimos verdadeiramente honrados por sermos testemunhas de tão fantástico cenário!

Cabeceira da vale de Saliencia
Destacam-se, à esquerda, os cumes do El Muñón e Los Bígaros e, à direita, os Picos Albos

Caminhamos neste momento protegidos pela sombra da face sul da vistosa Peña Negra (1836 m). Esta é a altura certa para abandonar o Caminho Real. O objectivo é descer a encosta aproveitando alguns trilhos de pastores e animais em direcção à braña de Ordiales de Arbellales, situada cerca de 200 m abaixo.

Ordiales de Arbellales

Neste ponto temos acesso a um cómodo estradão em terra batida, que atravessa vários conjuntos de típicas brañas somedanas em excelente estado de conservação, propriedade de cada uma das povoações do vale de Saliencia. El Collau, Morteras de Ordiales e Morteras de Saliencia são alguns dos nomes destas autênticas relíquias etnográficas.

Morteras de Salencia

Abandonamos as últimas cabanas ainda iluminadas pela ténue luz outonal do fim do dia...
A atmosfera silenciosa é interrompido a espaços pelos últimos bramidos da "berrea"...
Mais acima, um veado macho persegue, incansável, um grupo de fêmeas por entre uma manada de vacas!!!
Já só nos falta uma descida abrupta até à povoação de onde partimos...
Como é normal no vale de Saliencia, o dia termina sempre com uma bebida quente e dois dedos de conversa com Roberto, o dono do albergue rural, com quem partilhamos as historias fantásticas de mais um dia inesquecível neste verdadeiro Paraíso Natural!