MONTANHAS IBÉRICAS

Neste Blog partilho com os leitores a minha paixão pelas Montanhas Ibéricas, lugares únicos, cada vez mais raros, onde a beleza das paisagens, a preservação dos ecossistemas e a utilização sustentável pelo homem se unem de uma forma harmoniosa e equilibrada.

19 fevereiro 2006

VOANDO SOBRE A GARGANTA DO DOBRA - 2ª PARTE

Publicada por Paulo Almeida Santos


Depois de no passado post ter descrito a caminhada de aproximação à Garganta do Dobra a partir da zona de Covadonga, nas próximas linhas vou falar noutra abordagem não menos espectacular, partindo agora da aldeia de Amieva, no limite ocidental do Parque Nacional dos Picos da Europa.
O objectivo será, desta vez, uma aproximação à margem esquerda do rio Dobra, colocando-nos mais uma vez na zona de confluência com os rios Pelabarda, Pomperi e Junjumia.

Apesar de ser menos extensa que a anterior, esta abordagem tem a particularidade de não ter qualquer trilho marcado, obrigando-nos a percorrer zonas de mato rasteiro, sempre atentos ao mapa e à bússola, em busca do terreno mais favorável.
Podemos visualizar abaixo o mapa detalhado da caminhada.


Mapa da caminhada

O início do passeio começa junto ao casario da aldeia, onde se disfruta de uma vista soberba para sudeste surgindo, como cenário de fundo, os cumes nevados do Maciço Ocidental dos Picos da Europa, contrastando com os prados verdejantes e as copas das faias, nesta altura despidas pelos rigores do Inverno.



Vista da aldeia de Amieva

Caminhando por entre o casario da aldeia, sempre a subir, o primeiro objectivo será atingir o estradão em terra batida que se dirige ao Collado El Cueto Angón e à mini-hídrica de El Restaño, formando uma parte da conhecida Senda del Arcediano, uma das mais frequentadas das Astúrias.
Contudo, cedo abandonaremos esta pista, mais concretamente junto a uma cabana que surge no nosso lado direito, enfrentando em seguida uma penosa subida na vertente oeste do cume de Los Redondos (1242 m).


Local onde deveremos abandonar o trilho

Ao longo da abrupta subida, o nosso esforço vai sendo progressivamente compensado à medida que a nossa vista consegue abarcar domínios mais vastos...
Destaco a vista para oeste-sudoeste, onde se ergue em todo o seu esplendor o Cordal de Ponga, uma zona apaixonante pela sua beleza, tranquilidade e riquíssimo património natural!

Cordal de Ponga

Olhando para norte podemos visualizar o troço do vale do rio Dobra a montante até bem próximo do seu nascimento, serpenteando por entre os faiais de Vegabaño.


Vale do Dobra
À direita surge o cume do Canto Cabronero

Continuando a subir vamos, agora, aproximando-nos da portela que separa os cumes do Primiello e Los Redondos, caminhando a meia altura na encosta deste último.


Portela entre Los Redondos e o cume do Primiello
Ao fundo surge uma escarpa sobranceira ao Rio Dobra

Continuando a rodear a vertente, sempre a meia encosta, o buraco que vai surgindo à nossa frente não pára de se afundar... Parece não ter fim...
Precisamos de trepar a um conjunto de pedras que surge diante de nós para visualizar na sua plenitude a tão desejada Garganta do Dobra!


Garganta do Dobra

As formas de relevo que surgem aos nossos olhos, esculpidas ao longos dos séculos pelas forças erosivas das águas, gelos e ventos, fazem-nos sentir insignificantes no meio de cenário tão grandioso...


Troço do Dobra a montante

Neste habitat abrupto onde poucos sobrevivem, as rapinas e outras aves rupículas encontram o ecossistema ideal para construir os seus ninhos e criar em segurança a sua prole todas as primaveras.
Por aqui quem domina é a Águia Real (Aquila chrysaetos), caçando frequentemente nos prados alpinos acima do vale, para mais facilmente transportar as pesadas presas para o ninho, em descida, na altura da criação.


O Grifo (Gyps fulvus), um dos visitantes mais frequentes da Garganta do Dobra

Mesmo diante de nós surge a confluência do rio Pelabarda com o Dobra e o Bosque de Pome em toda a sua extensão. Na verdade, podemos apreciar daqui toda a caminhada descrita no post anterior, inclusivamente o ponto onde nos acercamos da Garganta.


Vale do rio Pelabarda com o Bosque de Pome no fundo

Trata-se, de facto, da maneira mais fántastica de terminar estes dois dias inesquecíveis onde tentamos descobrir os segredos mais íntimos deste inacessivel desfiladeiro, para mim, um dos mais espectaculares da orografia ibérica!
Chegou a hora de regressar...
Lá no fundo do vale, 600 m abaixo de nós, as chaminés da aldeia começam a emanar um fumo branco, sinal de que se aproxima mais uma noite fria neste singular vale Asturiano!


03 fevereiro 2006

VOANDO SOBRE A GARGANTA DO DOBRA - 1ª PARTE

Publicada por Paulo Almeida Santos


O Rio Dobra, nascido na vertente norte da desconhecida Peña de Dobres (1796 m), sobranceira ao Refúgio de Vegabaño, é o responsável por um dos mais espectaculares acidentes orográficos do Maciço Ocidental do Parque Nacional dos Picos da Europa!
Na sua porção inicial corre tranquilo por entre os extensos faiais da zona de Vegabaño para, mais abaixo, junto a Carombo, sulcar um abrupto desfiladeiro, protegido a ocidente pelo imponente Canto Cabronero (1996 m) e, a oriente, pelos picos aguçados do Maciço Ocidental propriamente dito, entrando desta maneira "feroz" pelo concelho asturiano de Amieva.
Ao longo do seu trajecto, que discorre em sentido Sul-Norte, até à confluência, mais abaixo, com o Rio Sella, o Dobra recebe inúmeros tributários também estes responsáveis por imponentes gargantas, transformando esta paisagem num autêntico labirinto de vales, valinas, escarpas, grutas e cascalheiras, muitas destas inacessíveis ao comum dos mortais...
De entre todos os sectores do vale do Dobra, aquele que mais impressiona pela sua imponência encontra-se na confluência deste com os rios Pelabarda, Pomperi e Junjumia.
Nos próximos 2 posts, convido os leitores das Montanhas Ibéricas a acompanhar-me em 2 caminhadas que nos vão colocar em miradouros privilegiados sobre esta confluência de desfiladeiros, espaço apenas partilhado por imponentes aves rupículas e grupos de camurças mais destemidos!

Mapa da caminhada

A caminhada inicia-se no famoso Mirador del Rey aos 1100 m de altitude. Para atingirmos este ponto temos 2 opções: a 1ª, mais longa, deixando o carro junto ao Lago Enol ( o 1º do conjunto dos Lagos de Covadonga) e percorrendo o estradão em terra batida que cruza a verdejante Vega de Enol; a 2ª, mais cómoda, deixando o carro no final desse mesmo estradão, numa zona chamada Pan de Carmen, a cerca de 10 min a pé do miradouro.

Lago Enol

Cumes do Maciço Ocidental no acesso ao Mirador del Rey

Chegados ao Mirador del Rey, podemos apreciar aos nossos pés o emblemático Bosque de Pome, um riquíssimo faial, labiríntico, abrupto, que se afunda autenticamente nos vales sulcados pelos rios Pomperi e Pelabarda. Impressionante a imagem de enormes árvores que crescem por entre as ranhuras das escarpas calcáreas!
Desde este ponto podemos visualizar a totalidade da caminhada proposta e os importantes desníveis e obstáculos que teremos de vencer.

Bosque de Pome

Aproveitando um pequeno trilho que desce desde o miradouro atingimos a orla do bosque...
A partir daqui deixamos de ter um caminho bem definido não nos impossibilitando, no entanto, de caminhar tranquilamente no meio deste faial maduro, cuja base está livre de vegetação.
Parando um pouco no interior do bosque e fazendo alguns minutos de silêncio, ouvimos com relativa facilidade um dos cânticos mais fabulosos da Natureza da responsabilidade do maior dos pica-paus, o Peto-preto (Dryocopus martius)!

Interior do Bosque de Pome

Para uma mais fácil orientação, o próximo objectivo será uma aproximação gradual à margem direita do rio Pomperi, sempre em descida, até encontrarmos um ponto favorável para o cruzarmos.
Já na outra margem, descemos paralelamente ao curso de água até este se juntar ao rio Pelabarda. Nesta zona de confluência, sombria e húmida por natureza, avistamos uma pequena ponte a jusante que nos permitirá cruzar para a margem direita do Pelabarda.

Ponte Pelabarda

Após termos cruzado o rio, ergue-se à nossa frente uma vertente com acentuado desnível o qual teremos de vencer, aproveitando para o efeito um trilho estreito em zig-zag, que nos põe num prado verdejante na base de uma penha chamada Paré Merin (1065 m)

Prado na base do Paré Merin

À medida que se ganha altura, a vista para o Bosque de Pome serve-nos de alento para os metros que ainda faltam subir...

Bosque de Pome cobrindo o vale do rio Pomperi

A partir daqui o trilho perde-se novamente, obrigando a uma orientação cuidadosa por entre um demolidor relevo kárstico com vários obstáculos. O objectivo será cruzar a vertente sul das Piedras Negras (1080 m) e, simultaneamente, aproximarnos da crista do Porru el Acebo (979 m).

Porru el Acebo

Por aqui é relativamente frequente avistar grupos de camurças (Rupicabra rupicabra)

Camurça (Rupicabra rupicabra)

Chegamos finalmente ao tão ansiado destino!
Por entre os penhascos podemos aceder, com extremo cuidado, ao bordo superior do desfiladeiro, onde encontramos aos nossos pés a confluência do Pelabarda, do Dobra e do Junjumia! Á nossa frente podemos contemplar em toda a sua extensão o vale do Junjumia, protegido pelas paredes "enrugadas" do cume de La Mota (941 m), em cuja cabeceira se encontra o refúgio de Vegarredonda e o famoso trilho que se dirige ao Mirador de Ordiales. Como pano de fundo, um mundo de gelo e rocha, de aspecto himalaico, onde se erguem a mais de 2000 m os altos cumes do Maciço Ocidental.


Vale do rio Junjumia

Cumes do Maciço Ocidental

Vale do Dobra. Ao fundo observa-se o cume do Canto Cabronero (1996 m)

Depois deste cenário arrebatador, o regresso impõe-se, visto ser necessário cruzar de novo o Bosque de Pome, de preferência com luz, agora em sentido ascendente.
Para o dia seguinte estava programada uma nova abordagem do canhão do Dobra, agora desde a aldeia de Amieva, cuja descrição farei no próximo post. Até lá!