MONTANHAS IBÉRICAS

Neste Blog partilho com os leitores a minha paixão pelas Montanhas Ibéricas, lugares únicos, cada vez mais raros, onde a beleza das paisagens, a preservação dos ecossistemas e a utilização sustentável pelo homem se unem de uma forma harmoniosa e equilibrada.

27 abril 2007

O FIM ANUNCIADO DO PARQUE NATURAL DE MONTESINHO

Publicada por Paulo Almeida Santos


Notícias vindas a público recentemente anunciam a construção de um gigantesco parque eólico inserido nos domínios do Parque Natural de Montesinho (PNM), umas das áreas com mais alto valor biológico da Península, onde vivem em estado selvagem valiosas espécies emblemáticas da fauna e flora Ibérica.
O anúncio deste mega-projecto deve mobilizar todos os defensores da Conservação da Natureza em Portugal para o seu total repúdio, sob pena de se perder por completo um dos poucos lugares verdadeiramente selvagens do nosso país, cada vez mais acossado por atentados ambientais diversos.
Deixo o meu contributo, enumerando uma série de argumentos contra a execução deste verdadeiro atentado.
  • O cumprimento das metas assumidas no Protocolo de Quioto foi o mote para a colocação de centenas de aerogeradores nos cumes das serranias portuguesas nos últimos anos. Arga, Marão, Alvão, Montemuro, Caramulo e Bornes são alguns dos exemplos mais notórios. Como é evidente, qualquer pessoa com o mínimo de sensibilidade ambiental aceita e apoia esta iniciativa em termos conceptuais, mas tudo tem limites… Vejamos o exemplo dos nossos vizinhos espanhóis, que estão a reformular os Planos de Ordenamento das suas Áreas Naturais de forma a garantir zonas de exclusão, livres de eólicos. O Plano de Ordenamento do PNM que se encontra ainda (pasme-se!) em fase final de elaboração, será entregue em breve ao ICN, passando posteriormente por um período de discussão pública, até ser aprovado em conselho de ministros. O timing do anúncio deste empreendimento é, pois, estratégico, bastando uma decisão governamental favorável aos eólicos aquando da aprovação do plano de ordenamento para abrir as portas à sua viabilização, apesar de, segundo notícias recentemente veiculadas (link), a colocação de aerogeradores não ser aceite na proposta técnica preliminar do documento. Veremos o desfecho...
  • Ainda nesta linha de pensamento, apesar de compreender que as montanhas são áreas com alto potencial eólico, não encontro uma explicação lógica para a quase total inexistência de eólicos junto à costa atlântica, fustigada durante todo o ano pela fúria dos ventos. Será pelo enorme valor comercial dos terrenos, que enche de dinheiro os bolsos dos especuladores imobiliários? Talvez seja uma boa explicação…
  • Os parques eólicos são “vendidos” à população geral como fontes de energia limpa. Contudo, há que desmontar este dogma. Falo em primeiro lugar do impacto visual e paisagístico. Embora este seja um conceito carregado de subjectividade, penso que qualquer amante da montanha e da natureza se sente agredido ao ver no horizonte dezenas de ventoinhas metálicas perfeitamente desproporcionadas relativamente ao que as rodeia. Por outro lado, a construção do parque eólico implica a construção de acessos a todos os aerogeradores que o compõem, com a consequente perda e fragmentação do habitat, transformando-se, por outro lado, em autênticas passadeiras para os menos concienciosos cometerem danos ambientais irreparáveis. Por último, importa referir o comprovado aumento da taxa de mortalidade da avifauna relacionada com a colisão contra as pás dos aerogeradores. Posto isto, o argumento da “energia verde” deve ser sempre confrontado com os efeitos deletérios causados pelos eólicos, de maneira a ponderar uma decisão sensata caso a caso.
  • No meio de tantas barbaridades proferidas nos últimos dias, aquela que mais me choca diz respeito à evocação do suposto bom exemplo espanhol ao construir um parque eólico junto à fronteira norte do PNM... Dizia a um jornal Jorge Nunes, presidente da Câmara Municipal de Bragança: “temos do lado de Espanha o bom exemplo; junto à fronteira com o Parque Natural estão instaladas centenas de eólicas”. Caso o Sr. Presidente não saiba, estes aerogeradores estão implantados em área não protegida e, na fase inicial da sua edificação, os responsáveis do PNM enviaram vários documentos ao ICN com o intuito de questionar as autoridades espanholas sobre o projecto. Tudo isto porque as leis comunitárias prevêem limitações à construção de infra-estruturas fronteiriças com potencial dano ambiental (ler notícia do Público). O que aconteceu a seguir é simplesmente inacreditável... Os responsáveis do ICN “arquivaram indevidamente” a documentação enviada , não houve contestação, o tempo passou e o parque eólico foi construído... Terá sido por acaso?
  • Outros argumentos lidos nos jornais, tais como “Auto-Europa das eólicas” ou “o maior parque eólico da Europa”, são apenas campanhas de marketing enganadoras, que exploram com alguma perspicácia o espírito megalómano que caracteriza o povo português no que toca a estes epítetos. Compreendo as reivindicações das populações locais quando evocam a ausência de benefícios por viver dentro de uma área protegida o que, juntamente com o envelhecimento populacional, nada tem contribuído para fixar as pessoas à terra. No entanto, olhando mais uma vez para fora das nossas fronteiras, damos conta de bons exemplos de sustentabilidade, onde os valores naturais, paisagísticos, etnográficos e humanos coexistem em plena harmonia, resultando em clara melhoria das condições de vida das populações. Isto não é utópico! Isto existe! Só temos de nos queixar de nós próprios por não sabermos sensibilizar e dar a conhecer as potencialidades das nossas jóias naturais. "(...) numa aldeia espanhola os benefícios têm sido tantos que o alcaide até levou a população numa viagem ao Brasil". Este foi o comentário do presidente da Junta de Freguesia de Parâmio, Manuel João que, para além de tacanho, representa um atentado à inteligência das gentes do Parque e dos que usufruem dele! Sugiro, a título de exemplo, a leitura de um artigo da National Geographic deste mês (pág 54-73), que retrata na perfeição as potencialidades do turismo de natureza em áreas de montanha.
  • Por último, tenho que mostrar a minha perplexidade perante a arrogância com que foi apresentado este projecto, quer por parte dos promotores da obra, quer por parte dos autarcas locais. A ideia que passou é a de que nada nem ninguém poderá travar a obra, colocando pressão por antecipação sobre os órgãos decisores, de modo a evitar "fundamentalismos" (palavras do autarca de Bragança). Não menos preocupante é o silêncio dos responsáveis do ICN e mais concretamente de Jorge Dias, director do PNM. Mais de uma semana passada após o anúncio oficial do projecto e nem uma palavra daqueles que seriam, em teoria, os defensores contra esta ameaça ambiental eminente. De facto, esta é uma luta bastante desigual...
Ao contrário do que dizem, de forma egoísta, os autarcas transmontanos, as serranias do nordeste português constituem um património universal e não exclusivamente dos habitantes locais, pelo que me sinto no pleno direito de lutar pela sua conservação. Posto isto, apelo a todos aqueles que, tal como eu, valorizam um dos últimos redutos selvagens de Portugal, a protestar contra este projecto que, caso avance, levará seguramente à aniquilação do Parque Natural de Montesinho.